A imaginação nasce da mente da criança, é algo que esta cria a partir da informação que tem enquanto a fantasia, é algo que nasce da imaginação de outra pessoa e que é transmitida à criança desde fora.
Maria Montessori nos seus livros Spontaneous Activity in Education, e The Advanced Montessori Method dá-nos uma outra perspetiva destes dois conceitos: “Nos países anglo-saxónicos… o Natal é um homem velho, coberto de neve, carregando um enorme cesto repleto de brinquedos para as crianças, e que entra nas suas casas à noite. Mas como é que a imaginação das crianças se pode desenvolver pelo que é, ao contrário, fruto da nossa imaginação? Somos nós quem imagina, não eles, eles acreditam não imaginam. Credulidade é uma característica das mentes imaturas onde falta a experiência e conhecimento das realidades, e ainda estão desprovidas de uma inteligência que distingui o verdadeiro do falso, o belo do feio, o possível do impossível.”
Em termos conceptuais percebemos que credulidade se refere a uma crença inquestionável, ingénua, e neste caso a criança ama incondicionalmente o adulto, quer ser como ele, este é o seu modelo, o seu exemplo, e acredita que o que este diz é verdade. Quantas vezes ouvimos alguém a dar nota de que algo não é assim e do outro lado a resposta é: -“não, que a mãe disse que o super-homem tem uma capa e voa” e se disse, é porque é a mais pura verdade!
A imaginação é algo fulcral na vida da criança e que quando esta tem espaço para usar a sua imaginação é altamente enriquecedor a todos os níveis. Contudo referimo-nos à sua própria imaginação, criada por si, e não por outros e que este simplesmente absorve, acredita e reproduz.
Ainda num discurso de Maria Montessori no “Child Studio Society”, esta refere que uma educação baseada na realidade prepara a criança para perceber o mundo de forma exata e precisa.
A perspetiva de Maria Montessori, mostra-nos que ao contar uma fantasia às crianças potenciamos a nossa imaginação e não a da criança, pois esta não cria nada, limita-se a reproduzir o que foi criado por outros. Estas histórias são produtos da imaginação dos adultos e não ensinam a criança a imaginar, ficam sim a conhecer histórias inventadas pela cabeça de outros.
A ciência veio corroborar esta perspetiva (e há um artigo muito interessante da Silvia Dubovoy* neste sentido), referindo que até os 5-6 anos a criança tem a necessidade de aprender através do mundo real, não precisa de fantasia nem para aprender nem para desenvolver sua imaginação. A fantasia pode ser até prejudicial neste primeiro estágio de desenvolvimento, já que a mente da criança ainda não tem capacidade para o pensamento abstrato, e por vezes não é capaz de diferenciar o que é real do que é ficção, podendo isso criar confusão numa altura em que constrói a sua visão do mundo.
Por outro lado, uma criança com mais de 5 ou 6 anos, que se encontra a desenvolver uma mente abstrata, pode desfrutar e até aprender através de histórias que contenham fantasia, por um lado porque a sua mente já está preparada e por outro porque ele já tem um extenso conhecimento do mundo real, sendo que esses dois fatores permitem diferenciar a fantasia da realidade.
Como limitar a exposição à fantasia em crianças menores de 6 anos?
A verdade é que hoje é difícil conseguir que uma criança não seja exposta à fantasia até 5 ou 6 anos, contudo podemos procurar um equilíbrio em direção ao lado da realidade. Alguma maneira de fazer isso:
• Oferecer aos nossos filhos livros que mostram a realidade, tanto em imagens como textos.
• Filtrar os brinquedos, decoração e até roupas para que tenham imagens mais realistas (na medida do possível).
• Conversar com eles sobre o que nos cerca e o que podemos ver e tocar, oferecendo-lhes experiências no mundo real.
• Respondendo com sinceridade quando nos fazem perguntas. Isso mostra um enorme respeito para com eles (da mesma forma que quando perguntamos a alguém: “Estas bolachas têm açúcar?” e respondem “Ai não, não podes comer à vontade!”… e quando damos a primeira trinca, sentimos que fomos redondamente enganados….
É possível que se perguntem então onde fica o Pai Natal, a fada dos dentes, o coelho da páscoa, ….mas a verdade é que quando contamos à criança a história do Pai Natal de barbas brancas, estamos a contar e alimentar um mito à criança com base na sua credulidade, na sua ingenuidade e na sua capacidade de acreditar totalmente no adulto que tanto ama.
Será que teria menos valor se lhe contássemos que as prendas que aparecem debaixo da árvore, no sapatinho ou onde as decidimos colocar foram escolhidas e compradas com tanto amor pelos pais, tios ou avós?
Seria menos mágica ou teria menos ilusão a história de São Nicolau do que a do Pai Natal?
Seria menos interessante perceber porque é que se assinala esta época do ano? Ou como esta é celebrada pelo mundo fora?
Será que a fantasia (criada por outros) é mais incrível que a realidade ou que a própria fantasia da criança?
O que fazemos e que dá um sentido especial a esta quadra Natalícia?
1) Dar sentido às tradições
Venho de uma família na qual as tradições são vividas em família, em comunhão, em reunião, com todo o valor que estes dias contém, toda a história, e razão pela qual é celebrado. E claro, não perdemos um bom pretexto para nos juntarmos e celebrar o simples prazer de estar juntos. Assim contamos de forma adequada à idade de cada criança em que consiste cada tradição, de onde surgiu, ou porque se celebra numa data específica.
Por exemplo relativamente ao Natal é importante perceber que a árvore de Natal ** não serve apenas para decorar mas que tem toda uma história por trás, bem como o Pai Natal ***, e as uvas passas que têm um simbolismo e uma história.
2) Procurar uma visão global e multicultural ****Tentamos transmitir a ideia de que nossa maneira de celebrar estas datas não é a única. Há muitas culturas diferentes que celebram de maneiras diferentes, nem todas necessariamente com um sentido religioso, e ao longo da história cada civilização deu um significado diferente a essas datas próximas ao solstício de inverno.
3) Realizar atividades em conjunto que assinalem estes momentos; por exemplo construir uma casinha de luz com elementos naturais que recolhemos num parque, pinhal, caminhada; preparar diferentes elementos que nos permitam decorar a casa; construir uma lanterna para iluminar o dia mais pequenos do ano; preparar algumas lembranças para oferecer a elementos da família e amigos; fazer uma recolha de coisas em bom estado e que não usamos para oferecer; preparar uma boa refeição para partilhar;… entre mil atividades que podemos realizar para assinalar esta época festiva e isto nos permitirá viver a magia da época, usando a criatividade, a imaginação e a fantasia de cada criança.
4) Fazer um calendário do advento (o pinterest tem milhões de ideias incríveis que nos podem servir de exemplo e criar uma nossa). Para cada dia definimos algo que queremos colocar em prática, como por exemplo, dizer algo simpático a alguém próximo, ajudar a preparar o jantar, ligar a avó com quem não falamos há algum tempo, escrever ou desenhar algo para alguém que me pareceu mais triste num certo dia, etc… ajuda-nos a estar atentos a nós e aos outros e é um exercício que sem dúvida vos vai surpreender!!
Maria Montessori, no livro A Criança, menciona “a energia desconhecida que pode ajudar a Humanidade é aquela que reside na criança, e que a devemos considerar como farol da nossa vida futura, pois ela contém o segredo da nossa natureza e se converte em nosso mestre.”
As crianças pela sua pureza, ingenuidade e conexão consigo próprias são altamente inspiradas, criativas, com um potencial enorme de nos surpreender e ensinar que a simplicidade está efetivamente nas pequenas coisas e quando as fazemos vivendo no aqui e agora e com todo o coração.
Que esta seja uma época de encontro, partilha e união!
Até já,
Joana Rebelo
* Silvia Dubovoy “La Realidad: La más Poderosa e Integral Llave al Mundo” https://studylib.es/doc/5697365/la-realidad–la-m%C3%A1s-poderosa-e-integral-llave-al-mundo