Quando conheci a Pedagogia Montessori, comecei a OBSERVAR, tentando perceber de que forma poderia proporcionar um mundo rico, organizado, bonito, adequado aos interesses e necessidades de desenvolvimento da minha filha.
Como é que eu poderia ser uma ajuda à aprendizagem e não um obstáculo?
O que é que ela me estava a pedir naquele momento?
De que forma poderia adaptar o seu redor para que esta fosse tudo o que podia ser?
Nitidamente percebi que queria ser capaz de fazer tudo o que nós adultos fazíamos, mas ao sentar-me no chão e colocando-me à sua altura, vi claramente as suas dificuldades e o quão inacessível era tudo, o que a colocava numa dependência constante dos adultos.
Havia que proceder a mudanças imediatas:
A cama já estava no chão (um colchão em cima de um estrado para que o colchão respirasse), tinha um cestinho com livros no quarto e uma cadeira pequenina para que pudesse “ler” sempre que quisesse. Resolvi baixar os quadros para o nível dos seus olhos, e quase que, como por magia, passou a reparar que existiam e a olhar para eles.
No armário, baixei o varão para que pudesse começar a escolher as suas próprias roupas. Rapidamente percebi que não as podia colocar todas à disposição, senão não resistia uma peça nas cruzetas, mas havia q.b. para uma boa escolha.
Tinha umas estantes baixas com alguns materiais Montessori e brinquedos, organizados em tabuleiros e cestas, por temas ou como unidade de trabalho, de forma a ser mais fácil ir buscar, usar, voltar a guardar tudo no tabuleiro/cesta e devolver ao seu lugar, completando assim um ciclo de trabalho. Desta forma delimitava a sua atenção e concentração, tornava mais fácil encontrar o lugar de cada brinquedo ou material, favorecendo um espaço mais organizado e bonito.
Não sei se vos acontece, mas quando o ambiente à minha volta é caótico, parece que nem consigo pensar… pois bem, com as crianças acontece o mesmo, a ordem externa é extremamente organizadora em termos internos/mentais. Daí Maria Montessori colocar tanto ênfase na ordem, organização e lugar de cada coisa, que sábia!!
Tinha ainda uma mesa com duas cadeiras proporcionais ao tamanho da pequenita, onde esta podia trabalhar com os materiais que recolhia das estantes.
Nunca colocava demasiados materiais/brinquedos, e semanalmente trocava alguns deles, que sentia que já não representavam desafio ou pelos quais a Mi já não mostrava interesse. Desta forma, havia sempre novidades e aquelas estantes eram diariamente interessantes e apelativas.
Na casa de banho coloquei um espelho no bidé, uma toalha pequena no respetivo toalheiro, um recipiente para o sabão (fiz sabão caseiro, não fosse a Mi querer prová-lo), arranjei um copo onde coloquei a escova e a pasta. Assim podia lavar as mãos, os dentes e ver-se ao espelho (para se pentear ou limpar o nariz) sempre que quisesse. Ao lado tinha o pote com uma tampa, parecia uma autêntica mini sanita, pelo que estava tudo pronto.
O próximo desafio era a cozinha, onde efetivamente passamos muito tempo, e a verdade é que a Mi, como qualquer criança que se preze, queria sempre ajudar.
Resolvemos então adaptar um escadote do Ikea, passando a servir de banco para alcançar o balcão da cozinha e para que, às refeições, a Mi pudesse subir e descer para o seu lugar à mesa, sempre que quisesse.
Encontrei na festa do Senhor de Matosinhos um utensílio para cortar (em bastante segurança) e assim a preparação das refeições passou a ter mais uma grande ajudante. Tínhamos um trato, eu descascava os legumes e a Mi cortava-os e colocava na panela… nunca foi tão fácil fazer sopa ou cozer legumes J
Às vezes, mesmo estando a Mi apenas no lugar de espectadora, só pelo facto de ver em primeira mão tudo o que estava a fazer, acompanhado de um relato meu de todos os procedimentos, tornava a tarefa muito mais interessante, e eu tive de começar a beber muito mais água. Nunca me imaginei no papel de relatadora de futebol, mas aqui estava eu no papel de relatadora de tarefas domésticas!
Arranjei uma mini jarra e um copo pequeno de vidro, que a Mi tinha numa estante à disposição, para que se pudesse servir sempre que quisesse. Tínhamos ainda uma vassoura, uma pá, um pano para limpar e um borrifador (com água, umas gotinhas de vinagre de cidra e umas gotas de óleo essencial de alfazema) para o caso de haver algum acidente.
À entrada de casa coloquei um cabide ao nível da Mi, para que pudesse pendurar o seu casaco e mochila sempre que chegasse e mostrei-lhe como podia vestir o casaco sozinha.
No frigorífico tinha os iogurtes e a fruta numa prateleira mais baixa para que fosse acessível, e tinha na dispensa bolachas e o que pudesse petiscar numa prateleira ao seu nível.
Na sala, tínhamos um espaço com uma estante onde a Mi tinha brinquedos e materiais para que pudesse estar connosco e trabalharmos/brincarmos todos juntos, organizados da mesma maneira, em tabuleiros ou cestas.
Desta forma, senti que proporcionei à Mi tudo o que precisava para se desenvolver de forma autónoma, para poder fazer o que necessitava sem me pedir ajuda constante, sem ter de me aborrecer porque estava tudo espalhado, o casaco atirado e a água derramada no chão… claro que não há milagres e há um trabalho contínuo, mas a verdade é que a vida de todos ficou mais equilibrada.
Senti que esta foi a melhor maneira de a ajudar a perceber que era capaz de fazer as coisas por ela mesma, de que estava tão crescida que já conseguia fazer o que a mãe e o pai faziam, já conseguia ajudar e isso fazia-a sentir-se bem, sentia uma enorme autoestima, sem eu ter de estar continuamente a elogiar as conquistas. Sim, porque algo que Maria Montessori alertava era precisamente para a questão dos elogios.
Em Montessori não se corrige nem elogia, os próprios materiais são autocorretivos e valoriza-se o esforço e o trabalho. Por exemplo, se uma criança entorna água no chão, ela tem tudo o que necessita para limpar e não necessita que a repreendamos. Não se trata de um erro, mas sim de uma aprendizagem.
Da mesma forma que uma criança tenta repetidas vezes servir-se de água acertando menos de metade no copo, quando finalmente consegue, valorizamos o esforço, a persistência, pois o prazer da conquista, vem de dentro, não realizando as tarefas meramente pela aprovação exterior.
Por outro lado, esta autonomia necessita uma grande vigilância, implica um trabalho na preparação de materiais e a observação da criança no sentido de perceber o que ela necessita, de forma a preparar as atividades, as tarefas e a organizar o meio ambiente para que esta possa explorar, crescer com autoestima e confiança, mantendo sempre uma enorme curiosidade e vontade de aprender!
Joana Rebelo